segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Ensaio: Augusto dos Anjos e sua doída poesia

Augusto dos Anjos, em uma escrita mórbida e com características de atração à obra evolucionista de Darwin, fala da morte com uma metáfora para a existência – e por que não – o combate pela existência da vida. Seu fascínio pela morte é visivelmente aparente nos poemas Monólogo de uma sombra, Idealização da Humanidade Futura e As Cismas do Destino, onde o poeta exprime seus desejos íntimos da angústia à vida.

Seu pessimismo é alicerçado pelo uso de uma linguagem fragmentada, científica, angustiante, obscura que faz parte do simbolismo, período que foi marcado pelo interesse na exploração das zonas desconhecidas da mente humana. O título “Eu” , sua única publicação, é, segundo alguns estudiosos, como uma autopsicologia, onde o autor – Eu – fala de si, de sua vida, seu mundo com uma altivez e sinceridade absurdas, o que fazem de sua obra algo tão intenso e voluptuoso.

Em ‘Monólogo de uma sombra’ Augusto usa sua própria sombra como porta-voz em uma composição de 31 estrofes que demonstram sua angústia na sociedade em que vive e seu desejo de mostrar como é esse sofrer, narrado em uma linguagem culta, dolorida e extremamente erudita.


“Na existência social, possuo uma arma
- O metafisicismo de Abidarma -
E trago, sem bramánicas tesouras,
Como um dorso de azémola passiva,
A solidariedade subjetiva
De todas as espécies sofredoras.”


A melodia do poeta percorre caminhos que demonstram  uma vida decante, pesada e triste, semelhante à sua vida, marcada pela tuberculose que o deixou frágil e influenciou seu percurso literário. Para o teórico Alfredo Bosi, a poesia de Augusto dos Anjos possui um esteticismo que está diretamente ligado à sua dimensão cósmica e em sua angústia moral.

O “Eu” lírico, poético e real em ‘Monólogo de uma sombra’ carrega uma tensão em relação ao tema da morte como uma possível salvação para uma vida que seja melhor àquela que foi-lhe dada, a sua própria vida. Seu desejo de libertação é evidente na passagem a seguir:


“Continua o martírio das criaturas:
- O homicídio nas vielas mais escuras,
- O ferido que a hostil gleba atra escarva,
- O último solilóquio dos suicidas -
E eu sinto a dor de todas essas vidas
Em minha vida anônima de larva!"


O poeta narra em 4 estrofes (poema curiosamente curto) em ‘Idealização da Humanidade Futura’ o desejo de fuga em seu corpo, sendo a morte algo que seduz sua matéria (corpo), embora negue totalmente a real materialidade. Aqui, ele é um poeta que se mostra desiludido com seu mundo físico.

Dessa forma, evidencia-se mais um elemento de sua produção literária, os contrates paradoxais. Ele então idealiza a sociedade futura como uma possível salvação para sua alma, que se encontra em moléculas de lama.

 
“E, em vez de achar a luz que os Céus inflama,
Somente achei moléculas de lama
E a mosca alegre da putrefação!”


O ‘Eu’ Augusto dos Anjos é denso e se identifica com a fatalidade do mundo, pois vê o homem como um objeto dos métodos existentes e nada além de objetos, envolto em uma vida irracional, concebida em partos obscuros.


“Não sei que livro, em letras garrafais,
Meus olhos liam! No húmus dos monturos,
Realizavam-se os partos mais obscuros,
Dentre as genealogias animais!”


Em “As Cismas do Destino”, construído em uma metrificação austera, são 105 estrofes com 420 versos, Augusto lança mão das figuras de linguagem como a metáfora para evidenciar o caos de sua consciência em relação à existência do mundo. Com uma construção profundamente imagética, o poeta lida com o mundo como se ele fosse algum personagem, mas desfacela-se em seguida, à exemplo de seu descrédito pela vida e da confirmação de sua incapacidade de lidar com sua existência. 
Por meio de musicalidade obsessiva  e  rimas certas, tenta construir nos versos iniciais uma certa descrição de algo que deseja se apropriar, mas que também lhe causa repulsa, medo.


“Recife. Ponte Buarque de Macedo.
Eu, indo em direção à casa do Agra,
Assombrado com a minha sombra magra,
Pensava no Destino, e tinha medo!”


No decorrer de “As Cismas do Destino”, evidencia-se suas cismas em relação não somente ao destino, mas à vida, à existência e também à morte, que aparece em meio à imagens desconexas que ele parece se apropriar para expurgar.
Metaforicamente descreve lugares e passagens, mas em muitos momentos se livra das coisas, como na inquietante narração que faz ao ato de tossir e escarrar, ficando claro que a escrita, era, para si uma espécie de exorcização daquilo que lhe incomodava, não preocupando-se, sequer, com a reação de seus leitores; muitos, por sua vez, consideravam-o ‘poeta de mal gosto’.

 
“E o cuspo que essa hereditária tosse
Golfava, à guisa de ácido resíduo,
Não era o cuspo só de um indivíduo
Minado pela tísica precoce.

Não! Não era o meu cuspo, com certeza
Era a expectoração pútrida e crassa
Dos brônquios pulmonares de uma taça
Que, violou as leis da Natureza!”




A descrição da morte é realizada com o uso de características cientifícistas e um certo rigor, aludindo, quase que em todas as aparições, a um certo desejo de alcançá-la, como se esta fosse um estágio a inclinar-se, um meio para que na verdade morram, sufocadas, todos os feitos do mundo.


“A corrente atmosférica mais forte Zunia.
E, na ígnea crostra do Cruzeiro,
julgava eu ver o fúnebre candieiro
Que há de me alumiar na hora da morte.”
“Eu queria correr, ir para o inferno,
Para que, da psiquê no oculto jogo,
Morressem sufocadas pelo fogo
Tôdas as impressões do mundo externo!

Mas a Terra negava-me o equilíbrio...
Na Natureza, uma mulher de luto
Cantava, espiando as árvores sem fruto,
A canção prostituta do ludíbrio!”


segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Eles me desejam bom dia

Eu acordo e vejo a cor de céu
Céu, que parece papel
Meus olhos alcançam a ternura do bem-te-vi
Que sono, eu penso, quero voltar a dormir!
Os sons do pássaro saúdam-me e dizem:
“Bom dia!” Tenha um lindo dia!
Quero me despir dos pensamentos duros, amargos
E desejo sentir o cantar dos pássaros, melodia da vida e com seu cantarolar
Perceber a luz do meu caminhar
E me despedir das agonias
Para que eu possa, finalmente
Perceber que os pássaros, me dizem
Tenha um lindo dia!

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Unis, Unidos, Uniram


Quando estamos juntos
Tudo parece mais fácil
A união nos acolhe
E de longe, ouço um grito: Unis!
É uma dança bonita essa, dança singela
Dança Circular, dizem os intelectuais
Dança dos Unidos, dizem os idealistas
Dança dos que se uniram, proferem os mais experientes.
O que importa é que estamos juntos, em meio a esse calor
Nossos corpos entrelaçados, diante dessa pele sedosa, alva
Sedosa, que tem tato de seda, um toque fino
Toque.
Inevitável é o toque daqueles que se amam e que dançam
No compasso da união.
Como se escreve união? *
Obs: Texto encomendado para ilustrar uma obra de arte.

* Licença Poética a Heiner Müller

Vermelho cor de dor


O vermelho que derrama, é o vermelho do sangue, do amor
Da dor
Da dor causada pela falta de amor,
Cada marca desse vermelho que jorra, que escorre
Corre
Corre meu amor...
Para longe de mim e assim
Derrama, a dor
Do amor
Por favor, escorra, não me deixe. Cor de amor. 
Vermelho.

Obs: Poema produzido para ilustrar uma obra de arte.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Devaneios meus


Eletrizante, eu inteira.
                Acordei, tomei uma garrafa de vinho, deitei-me a girar nos meus pensamentos
Penso que estou cada vez mais viva, sinto-me cada vez mais morta
                Genialidades, devaneios meus.  Eu não sou pintor, dizia Michelângelo, eu não sou pintor.
Lambuzo-me com a tinta alva do meu sangue, tenho a alma lavada de gritos e sussuros,
                Ouço a voz do silêncio, vejo o escuro,
Na imensidão de meus pensamentos, sinto que as palavras saltam da minha boca, procuro o silêncio, grito o barulho...
Duvido se estou em momentos de solidão, revolta, tensão. Acredito. Eis que me acalmo aqui, diante do meu leito, tentando encontrar solução para meu drama. É um drama frio, amedrontador. Tudo isso sou eu, ninguém me faz mal, eu mesma me faço mal. Me faço mal quando sou fraca, quando fico aqui com medo e me faço muito mal quando a culpa aparece, a culpa de algo que não tinha que existir.
Que arrepio que dá, que sensação estranha essa. Me perguntaram se eu tinha medo de alguma coisa. Eu respondi:  - Sim.  E indagaram-me  uma segunda vez:  -  Você tem medo de que?  E, assim, completei: - Tenho medo de ser tão fraca a ponto de não tentar.